quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Carta secreta I - Le début

em vez de ler o que eu deveria, comecei ontem a ler um livro da ana hatherly, a idade da escrita. é muito bom. eu nunca fui muito ligada em poesia, tirando o bandeira, o drummond e o cara que escreveu Ismalia, cujo nome nao vou me lembrar tao cedo, mas isso começou a mudar quando eu descobri umas poetas portuguesas. a ana hatherly foi por meio de um texto sobre o barroco que li para literatura portuguesa e a sofia de mello breyner andersen por aquele novo livro do mia couto, antes de nascer o mundo, que é muito bom, por sinal. cada capitulo tem como epigrafe um poema ou trecho de poema ou da adelia prado, ou da hilda hilst ou da sofia de mello breyner andersen.
bem, mas voltando ao a idade da escrita, encontrei um poema chamado "carta secreta I - le début" que cita aquele poema elegia do donne, o mesmo da musica do caetano veloso. mesmo sabendo que essa musica era parte do poema, nunca havia lido ele inteiro, em portugues ou ingles. algum dia que eu esteja menos atarefada, escrevo algum comentario minimamente critico comparando os dois poemas.
ei-los aqui, primeiro o do donne devidamente traduzido e depois o da ana.

Elegia: indo para o leito

Vem, Dama, vem que eu desafio a paz;
Até que eu lute, em luta o corpo jaz.
Como o inimigo diante do inimigo,
Canso-me de esperar se nunca brigo.
Solta esse cinto sideral que vela,
Céu cintilante, uma área ainda mais bela.
Desata esse corpete constelado,
Feito para deter o olhar ousado.
Entrega-te ao torpor que se derrama
De ti a mim, dizendo: hora da cama.
Tira o espartilho, quero descoberto
O que ele guarda quieto, tão de perto.
O corpo que de tuas saias sai
É um campo em flor quando a sombra se esvai.
Arranca essa grinalda armada e deixa
Que cresça o diadema da madeixa.
Tira os sapatos e entra sem receio
Nesse templo de amor que é o nosso leito.
Os anjos mostram-se num branco véu
Aos homens. Tu, meu anjo, és como o Céu
De Maomé. E se no branco têm contigo
Semelhança os espíritos, distingo:
O que o meu Anjo branco põe não é
O cabelo mas sim a carne em pé.
Deixa que minha mão errante adentre.
Atrás, na frente, em cima, em baixo, entre.
Minha América! Minha terra a vista,
Reino de paz, se um homem só a conquista,
Minha Mina preciosa, meu império,
Feliz de quem penetre o teu mistério!
Liberto-me ficando teu escravo;
Onde cai minha mão, meu selo gravo.
Nudez total! Todo o prazer provém
De um corpo (como a alma sem corpo) sem
Vestes. As jóias que a mulher ostenta
São como as bolas de ouro de Atalanta:
O olho do tolo que uma gema inflama
Ilude-se com ela e perde a dama.
Como encadernação vistosa, feita
Para iletrados a mulher se enfeita;
Mas ela é um livro místico e somente

A alguns (a que tal graça se consente)
É dado lê-la. Eu sou um que sabe;
Como se diante da parteira, abre-
Te: atira, sim, o linho branco fora,
Nem penitência nem decência agora.
Para ensinar-te eu me desnudo antes:
A coberta de um homem te é bastante.

John Donne


Carta Secreta I - Le Début


A ti

meus olhos verdes

my new america

(lembras Donne?)

Oh my new found land

beloved

vejo-te todos os dias

olho-te em silêncio

vejo-te

cabelos desalinhados

se os afastas

descobres a testa branca

estremeço

realmente estremeço

falas muito sério

ruborizo-me

sim

um rubor adolescente

como em Keats

Queria dizer-te isso

quero dizer-te isso

quando te falo

de outros assuntos

falamos sempre

com imensa gravidade

trago-te folhetos da Cooks

aí aparece a minha praia de verão

tento interessar-te

seduzir-te

tão indirectamente!

E se vieres?

meu Deus

se vieres?

Sorris

tão sério

é incrível

como é possível?

Não sei

não sei


Uma secreta cumplicidade

espero que exista



Acho que te amo.


Ana Hatherly

obs: esse ultimo poema era um poema concreto, mas por nada nesse mundo ele fica com os espaçamentos certos.

domingo, 10 de janeiro de 2010

A Mário de Andrade ausente

A Mário de Andrade ausente

Anunciaram que você morreu.
Meus olhos, meus ouvidos testemunharam:
A alma profunda, não.
Por isso não sinto agora a sua falta.

Sei bem que ela virá
(Pela força persuasiva do tempo).
Virá súbito um dia,
Inadvertida para os demais.
Por exemplo assim:
À mesa conversarão de uma coisa e outra.
Uma palavra lançada à toa
Baterá na franja dos lutos de sangue.
Alguém perguntará em que estou pensando,
Sorrirei sem dizer que em você
Profundamente.

Mas agora não sinto a sua falta.
(É sempre assim quando o ausente
Partiu sem se despedir:
Você não se despediu.)

Você não morreu: ausentou-se.
Direi: Faz tempo que ele não escreve.
Irei a São Paulo: você não virá ao meu hotel.
Imaginarei: Está na chacrinha de São Roque.

Saberei que não, você ausentou-se. Para outra vida?
A vida é uma só. A sua continua
Na vida que você viveu.
Por isso não sinto agora a sua falta.

Manuel Bandeira
(Em
Estrela da vida inteira)


Tenho sentido muita falta da minha avó ultimamente. hoje faz dois meses que ela morreu. nao tem um dia que eu nao me lembre dela. só que nao é essa falta que se sente de alguem que morreu, mas a falta de alguem que nao se ve a muito tempo. toda vez que eu me lembro dela eu acho que ela vai estar fazendo croche na casa dela, ou na aula de pintura em tecido. só quando eu vou pedir pro meu pai pra ligar pra franca pra pedir noticias dela é que eu me lembro que ela partiu. na verdade, eu parti. ela se despediu, mas eu tinha certeza de que voltaria a vê-la no fim de semana. desde entao fico esperando uma noticia sua. permanece somente sua ausencia, que já me era bem familiar (é assim que se escreve?).

No natal sua falta se fez, escandalosa. pela primeira vez desde que eu me lembro, nao estava no sofa da sala vendo tv. só eu.

Essa falta calada volta de vez em quando, mas na maior parte do tempo permanece somente a falta-ausencia atenuada pela distancia.

sábado, 9 de janeiro de 2010

L'incencie du sanatorium des coincidences exagérées


Bem, depois de muito ponderar eu resolvi fazer um blog, esse blog mais especificamente. acho que porque tenho lido muitos blogs nesse meio tempo tentando adiar as resenhas e relatorios, que nao têm me deixado dormir muito bem. A minha idéia de titulo foi "aline no pais das maravilhas", nada muito original, sendo que eu me chamo aline, só que, como o dominio não estava mais disponível, o endereço do blog ficou como "teoriadaparodia". esse é um livro da Linda Hitcheon, muito interessante por sinal, que eu estou lendo para o maldito relatorio. mas eu nao planejo reclamar do relatorio logo no primeiro post. Queria aproveitarpara falar de um livrinho minúsculo e numerado que eu comprei hoje na livraria com meus pais e que tem uns desenhos (gravuras, pinturas?) muito interessantes. Eu gosto bastante da palavra interessante, ela nao significa muita coisa, por isso pode ser usada em muitos lugares.São vinte e duas gravuras contando as duas capas. a que eu mais gostei por enquanto é a de numero cinco, mas pra falar a verdade, nao olhei muito para as outras ainda. Bem, eis ela aqui


O livro chama "L'incencie du sanatorium des coincidences exagérées" e é do Philippe Lagautriere.