domingo, 10 de janeiro de 2010

A Mário de Andrade ausente

A Mário de Andrade ausente

Anunciaram que você morreu.
Meus olhos, meus ouvidos testemunharam:
A alma profunda, não.
Por isso não sinto agora a sua falta.

Sei bem que ela virá
(Pela força persuasiva do tempo).
Virá súbito um dia,
Inadvertida para os demais.
Por exemplo assim:
À mesa conversarão de uma coisa e outra.
Uma palavra lançada à toa
Baterá na franja dos lutos de sangue.
Alguém perguntará em que estou pensando,
Sorrirei sem dizer que em você
Profundamente.

Mas agora não sinto a sua falta.
(É sempre assim quando o ausente
Partiu sem se despedir:
Você não se despediu.)

Você não morreu: ausentou-se.
Direi: Faz tempo que ele não escreve.
Irei a São Paulo: você não virá ao meu hotel.
Imaginarei: Está na chacrinha de São Roque.

Saberei que não, você ausentou-se. Para outra vida?
A vida é uma só. A sua continua
Na vida que você viveu.
Por isso não sinto agora a sua falta.

Manuel Bandeira
(Em
Estrela da vida inteira)


Tenho sentido muita falta da minha avó ultimamente. hoje faz dois meses que ela morreu. nao tem um dia que eu nao me lembre dela. só que nao é essa falta que se sente de alguem que morreu, mas a falta de alguem que nao se ve a muito tempo. toda vez que eu me lembro dela eu acho que ela vai estar fazendo croche na casa dela, ou na aula de pintura em tecido. só quando eu vou pedir pro meu pai pra ligar pra franca pra pedir noticias dela é que eu me lembro que ela partiu. na verdade, eu parti. ela se despediu, mas eu tinha certeza de que voltaria a vê-la no fim de semana. desde entao fico esperando uma noticia sua. permanece somente sua ausencia, que já me era bem familiar (é assim que se escreve?).

No natal sua falta se fez, escandalosa. pela primeira vez desde que eu me lembro, nao estava no sofa da sala vendo tv. só eu.

Essa falta calada volta de vez em quando, mas na maior parte do tempo permanece somente a falta-ausencia atenuada pela distancia.

3 comentários:

  1. gostei muito do seu post.
    gostaria de ter uma experiência semelhante para poder dizer algum coisa.

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  2. E como não imaginar o silêncio escandaloso da falta, ali no sofá...
    Não é só a falta, é a falta irreparável. A distância é normal, mas essa não. Essa é ruim pelo silêncio, pela falta de resposta, se você resolve chamá-la.

    Não sei. Acho só que eu te entendo... entende?...

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  3. (e pela primeira vez eu tive vontade de chorar por lembrar do meu avô. faz dois anos que ele morreu. choro com baixa frequência.)

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